entrevista com ricardo moreira
Por: Solange Castro
Solange Castro – Alô, Ricardo – que bom te ter aqui no Toada..
Você é um grande compositor, com parceiros fantásticos, além de instrumentista, mas vamos começar conversando sobre suas composições – como e quando você entrou nessa aventura?
Ricardo Moreira – Alô, Solange – Na verdade, entrei no universo das composições sem qualquer planejamento. Eu comecei a tocar bateria aos dezesseis anos, e toquei em muita banda cover e outras de músicas autorais, com alguns conteúdos e postura com os quais eu não concordava muito.
Depois disso, fiz curso de gaita blues com um dos monstros deste instrumento, o Sérgio Duarte. Ele próprio acabou me ensinando um pouco de violão e indicando os livros de Harmonia do Almir Chediak e do Antonio Adolfo (até hoje, uso-os como referência).
Eis que, aos vinte e três anos, surgiu um festival de música no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e eu e o, até então, compositor oficial da minha banda, nos inscrevemos, cada um com uma canção. A minha foi a classificada. Foi a minha primeira composição e, a partir daí, não parei mais.
Solange Castro – Em que ano foi isso, Ricardo? E qual a música? Tem na Web para a gente conhecer?
Ricardo Moreira – Creio que tenha sido em 1996, nem tinha computador na época. A música se chamava “Sabe, rapaz?” e não tenho registro nem em “fita cassete”, nem na memória (Só alguns trechos… Ainda bem). Interessante é que, para incentivar ainda mais nessa vida de compositor, a segunda música que compus, “Vale das Cores”, um samba, também se classificou para um festival numa universidade aqui de SP, a Iberoamericana, que ficava na Avenida Brigadeiro Luís Antônio. Lembro que este segundo festival ocorreu exatamente no dia em que fazia um ano da morte do Renato Russo e, curiosamente, o vencedor imitava o… Renato Russo…rs
Solange Castro – Não ter registro nem na memória é de cortar o coração, Ricardo… Maldade. Fico imaginando quantas composições se perdem sem que cheguem ao público. E “Vale das Cores”, tem registro? (se tiver manda link)
Ricardo Moreira – Devo ter a gravação em alguma fita cassete…rs
A letra era esta (considere que era só uma das primeiras composições).
“VALE DAS CORES
O canto das aves e o cheiro das manhãs
misturados num coquetel!
Águas servindo de espelho,
natureza em lua de mel…
O sol no horizonte, um vermelho
cachoeiras… o branco do véu
um tapete de verde rasteiro
e o azul colorindo o céu.
Era assim…
Outras eras, tudo era sim!
Hoje é cinza, mas será o fim?!
O cinza é o fim…
Cinza, o início do fim.”
Solange Castro – Ai, que coisa mais linda…
Bem, do início até agora foi uma estrada repleta de parcerias e surpresas. Quais suas composições mais queridas e quais os parceiros mais chegados?
Ricardo Moreira – Como dizem muitos compositores, a criação mais querida ou é a última ou será a próxima.
Para uma pessoa que acorda um dia querendo ouvir Tião Carreiro e Pardinho e no outro (ou na hora seguinte) quer ouvir Björk ou Steely Dan, eu diria que é impossível definir qual é a composição mais querida.
Sobre os parceiros, entre os mais constantes, há o Sonekka, o Fernando Cavallieri, o Alexandre Lemos, o Márcio Policastro, o Ari Reis e o Ayrton Mugnaini.
Com as parceiras mulheres, agora que notei que só fiz um música com cada (preciso corrigir isso…rs). Há feras como a Cacala Carvalho, Apá Silvino e a Marfiza de França.
Curioso é que fiz música até com quem praticamente nunca conversei na vida, caso do Marcos de Assis, que mora lá no Espírito Santo, e musicou um poema chamado “Chá de Camomila”.
Solange Castro – Eita, esse é um time Musgueiro – rs… Aliás, a M-Música é simplesmente genial, uma fábrica de obras incríveis…
Ricardo, estamos em plena pandemia, a música brasileira sendo tratada como lixo (como se não fosse um dos nossos maiores patrimônios), enfim, um momento de muita reflexão – como você vê esse momento para nossa cultura?
Ricardo Moreira – Do ponto de vista criativo, creio que é paradoxal, pois, se de um lado a arte é um item que ameniza a tristeza, tira a população desse mergulho ao soturno; do outro, é difícil se arranjar inspiração. Chega até a parecer desrespeito com as famílias enlutadas lançar músicas neste período.
Quando se trata só de estupidez de governos, é uma coisa (haja vista a maravilhosa produção dos anos de chumbo), porém, agora, é a maior tragédia da história do país. Eu, pelo menos, que em tempos normais já cheguei a fazer três músicas num só dia, não me sinto nada à vontade.
Sem contar que, antes mesmo da pandemia, a escolha política é de se sufocar a arte. Parece que nunca ouviram falar de “soft power”. A Coreia do Sul, por exemplo, vem investindo muito na sedução de jovens pelo mundo por meio da arte. Muitos jovens pelo planeta hoje preferem conhecer Seul a Paris.
Há de se buscar forças pra recuperar a alegria desse povo. Vai passar…
Solange Castro – Com certeza vai passar (tem que passar), Ricardo, e essa história toda vai nos deixar um legado – os que “respeitam o seu próximo e os que não respeitam”. Isso não só no Brasil, mas pelo mundo afora, e espero que a humanidade consiga compreender essa lição. Se conseguirmos perceber que “respeito” é fundamental, acho que salvamos não apenas nossa espécie (des)humana, mas o Planeta. Esse lindo e poético Planeta, cheio de cores, temperos, cheiros e sons..
Bem, acho que é isso. Desculpe-me o desabafo..
Você está trabalhando a solta, o que está vindo de novo para nós?
Ricardo Moreira – Como disse anteriormente, em termos musicais, creio que só vou pensar em lançar algo novo quando nos livrarmos dos dois grandes problemas que assolam o país, e o ódio voltar para o armário. Enquanto isso, estou fabricando instrumentos, aventurando-me pelo universo das charges (tirinhas) com minha “Turma do Cofrinho” (www.ricardomoreira.com.br/cofrinho.html), mais para ocupar a cabeça do que para receber aplausos. “Tô me guardando pra quando o carnaval chegar”, em 2023 quero estar na Sapucaí e, aí sim, produzir muito pois a arte será fundamental pra superar o luto.
Quem quiser conhecer um pouco do que espalho por aí, tem o www.ricardomoreira.com.br e o canal de Youtube (https://www.youtube.com/user/ricmoreira).
Solange Castro – Ricardo, acho que nos encontraremos na Sapucaí em 23…
Amor meu, muito obrigada pela dedicação e carinho com a gente. Seja bem vindo ao Toada, espero que possamos nos ver em breve.
Beijo.
Julho de 2021.