entrevista com ana de hollanda
Por: Solange Castro
Solange Castro – Alô, Ana. Em primeiro lugar, grata por nos ceder novamente entrevista, agora no Portal TOADA..
A primeira entrevista foi em 2004 (aqui entrará link para a anterior), onde nossos antigos poderão rever, e os novos conhecer sua trajetória, quando, na época, eras diretora do Centro de Música da Funarte.
Quinze anos depois, estamos nós aqui, tendo a honra de conversar contigo e saber o que aconteceu nesse trajeto.
Depois do período na Funarte, foi Vice-Presidente do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, então vamos começar por aí..
Como foi essa experiência, as dificuldades, como era na época e como tudo está hoje, ao seu ver?
Ana de Hollanda – Eu pedi demissão da Funarte quando o então presidente da instituição foi exonerado sem nenhum motivo concreto, mas por desavenças pessoais com o Secretário Executivo do Ministério da Cultura. Só que aí já tínhamos recuperado tudo que estava interrompido há anos, como já relatei na entrevista de 2004.
Além do que foi reativado, também introduzimos várias inovações não previstas nas diversas áreas da Fundação. Numa avaliação junto ao MinC chegamos `a conclusão de que deveríamos promover “câmaras setoriais” para, em encontros com todos os representantes dos elos envolvidos nos temas, chegarmos a um consenso para definirmos políticas públicas que não prejudicassem nenhum elo da cadeia produtiva. No Centro de Música realizamos a Câmara Setorial de Música com reuniões temáticas a cada mês, trazendo representantes de artistas e pequenos produtores de todas as regiões do país, assim como os principais representantes de entidades da sociedade civil organizada e do poder público. Foram sete encontros com os temas: educação musical; trabalho; direito autoral; financiamento; produção; difusão e consumo. Trouxemos, como já disse, representantes dos músicos escolhidos em seus estados; pelo governo trouxemos representantes do MinC e de outros ministérios envolvidos em cada um dos temas; e o terceiro elo são os representantes das entidades da sociedade civil ligadas aos temas representando seus interesses. Cada tema levava dois dias de exaustivos debates até chegarmos a alguns consensos aceitos por todos. O resultado desse trabalho exaustivo foi entregue ao Ministério, que havia se comprometido a incorporar as propostas aprovadas como política de governo. No entanto o tempo passou e ele ignorou todo o esforço coletivo. Isso foi muito frustrante e, em parte, motivo do desgaste entre o MinC e a Funarte.
Fora isso, deixei preparado, com orçamento assegurado, a segunda edição do Projeto Pixinguinha, bem mais aprimorado; criamos para a música clássica o projeto Circulação de Musica de Concerto que mantinha algumas semelhanças com o Projeto Pixinguinha; criamos os Concertos Didáticos nas Escolas; o Projeto Coros, e o Projeto Orquestras, nos moldes do Projeto Bandas, que doava instrumentos ou financiava reformas de instrumentos para orquestras sinfônicas ou de câmara do Brasil todo.
Mas no fim de 2006, com a exoneração do Antonio Grassi, que foi quem me convidou para o cargo, e com a falta de diálogo com o Secretário Executivo do Ministério, me senti no dever de também pedir minha exoneração.
Logo em seguida fui convidada pela Presidente do Museu da Imagem e do Som a assumir o cargo de vice-Presidente. Foi uma experiência muito interessante, já que o museu possui um acervo riquíssimo em função do projeto “Depoimentos Para Posteridade”, existente desde sua criação no início dos anos 1960. Esses depoimentos são feitos até hoje. Devo até participar como entrevistadora do próximo, com Sueli Costa. Logo de início constatamos que o acervo era riquíssimo não só pelos depoimentos que abrangiam todos os temas culturais e alguns de outras áreas, mas relevantes. Possuía um dos mais completos acervos fotográficos do Rio de Janeiro, com obras de Augusto Malta entre outros, películas, discos, biblioteca e outros itens não catalogados e muitos mal conservados. Começamos a fazer esse trabalho e também a digitalização do acervo que estava se perdendo. Foi quando o Governador propôs a construção de uma nova sede para o Museu da Imagem e do Som. Aí começa uma longa novela que não sei como terminará, já que tudo tomou outros rumos e a ambiciosa construção, num local que jamais seria a ideal, está paralisada até hoje.
Foi quando fui convidada pela Presidenta Dilma para assumir o Ministério da Cultura.
Solange Castro – Bem, a primeira grande perda foi o fim do Projeto Pixinguinha, que por tanto tempo fez uma grande mostra das músicas dos quatro cantos do Brasil sair de suas origens e serem apresentadas para o povo brasileiro em geral – irreparável!
Ana de Hollanda – Outra grande perda, ao meu ver, é esse acervo tão rico que o MIS detêm não ser apresentado à nossa população. Sei que seria o ideal, mas, pelo menos no momento impossível, ser levada de forma digital a uma plataforma, para ser estudada e pesquisada por todos, principalmente em nossas Escolas. Posso sonhar?? Poderia haver, mesmo que apenas catalogada, para que todos soubessem que existe. Mas..
Mas esse acervo continuou sendo recuperado, digitalizado e catalogado, mesmo depois que saí de lá. Os pesquisadores nunca pararam de frequentar o MIS e agora, com o acervo catalogado e digitalizado, está bem mais fácil.
Solange Castro – Agora como Ministra – como foi a experiência, quais as maiores dificuldades, conquistas, enfim, nos fale sobre isso..
Ana de Hollanda – Aí não dá pra falar tudo em menos de pelo menos um volume.
Foram quase dois anos completos trabalhando no mínimo 14 horas por dia e contando em minha equipe com pessoas dedicadíssimas e muito competentes. Foi um período de entrega total em busca de resultados a curto, médio e longo prazo. A curto e médio prazo, avançamos muito, mas como saí antes de completar os quatro anos previstos, alguns dos projetos mais estruturantes e necessários para a política de cultura de um país, com dimensões e diversidade cultural do nosso, foram interrompidos, uma vez que meus sucessores não se interessaram por dar continuidade. É um vício de políticos tradicionais suspender programas que marcaram a gestão do antecessor. Mesmo dentro do governo de um mesmo presidente.
Solange Castro – Imagino…
Então vamos falar de poesia, da “sua poesia”.
Enquanto estavas agindo e lutando pela nossa Cultura, ficamos sem conhecer seus trabalhos musicais.
São composições lindas, com parcerias fantásticas, nos fale sobre isso..
Quais os grandes parceiros, as inspirações, as obras gravadas, shows, enfim…
Ana de Hollanda – Mesmo enquanto estava no Ministério, eu sentia uma necessidade vital de ler, ir a exposições, ouvir música e, sempre que possível, assistir espetáculos. Mesmo sem tempo, quase, fazia o possível lendo nos voos e assistindo o que de bom estivesse acessível nos fins de semana e à noite. Fora o prazer, era mentalmente indispensável exercitar minha sensibilidade artística e cultural. Nesse período também escrevi letras para parceiros que me confiaram melodias.
Além de todo o trabalho no MinC, problemas, preocupações, intrigas políticas que foram massacrantes no meu caso, eu sabia que estava ministra, mas eu era e continuaria sendo uma artista. Não sou e nunca pretendi ser uma política de carreira. Isso foi mais um motivo para que eu não deixasse de praticar a composição.
O que não pude mesmo fazer foram shows. Antes de mais nada, o esgotamento físico e emocional foi tal que quase perdi a voz. Mas também havia o problema de “conflito de interesses”, algo ignorado atualmente, mas que me impedia de participar profissionalmente de qualquer atividade que envolvesse financiamento público. Até indiretamente, qualquer instituição que tinha alguma relação com governo federal, estadual ou municipal, acabava chegando ao Ministério e, claro à Ministra.
Dessa forma, o que me restou foi mergulhar nas melodias para encontrar palavras que as traduzissem. Um exercício mental e psicológico fantástico para me desligar da burocracia e me conectar com a criação artística, sempre que fosse possível.
Quando saí do Ministério, imediatamente procurei meus amigos músicos e parceiros para pedir trabalho, isto é, melodias. Lembro-me bem que a primeira que fiz foi um samba com o querido parceiro Cláudio Guimarães, e que respondia exatamente a quem duvidasse que eu estava realizada, de volta ao meu lugar. Não me arrependia de ter aceito o cargo, fiz o que deveria ser feito, mas me sentia feliz por voltar para a música. Depois desenvolvi parcerias que amo ter feito com muita gente boa como o Leandro Braga, Nivaldo Ornelas, Lucina, Simone Guimarães, Nilson Chaves, Cristóvão Bastos, Lula Barbosa, Marcelo Menezes e fiz algumas só minhas, letra e música.
Quando você fala em minha poesia, não me reconheço, já que eu sou uma anta diante de um papel em branco. Ele me paralisa. Só entendo a tela em branco diante da coragem de um Malevich. Justamente por não ser escritora, poeta, sou sempre motivada pela melodia. Ela é que me conduz e me desperta um tema. Sempre foi assim, só sei letrar melodias, mesmo quando minhas. Outro dia, pensando em um possível disco, me dei conta de que ele dificilmente terá uniformidade, já que tenho desde parceiros sambistas a quase clássicos. Mas eu me identifico com todos.
Fora isso, tenho feito shows, o que me agrada sempre, apesar da absurda falta de bons espaços públicos. No momento estou de partida para Paris, aonde vou me apresentar, e devo em breve voltar pra Europa com uma tournée.
Solange Castro – Interessante seu dom de letrar melodias, principalmente quando independe do ritmo. São letras que saem das notas, expressões que seguem linhas melódicas, deve ser fantástico compartilhar do centro de ti tanta harmonia…
Antes do novo disco (já mega curiosa..), fale sobre sua ida a Paris, onde será esse show, e sobre a futura tournée na Europa..
Ana de Hollanda – Eu já tinha planos de ir a Paris com meus filhos e netos para que, principalmente os adolescentes, tomassem um banho de história e cultura universal. Contei a um amigo, um percussionista excepcional, Edmundo Carneiro, que conheci em São Paulo e com quem trabalhei há várias décadas, até que um olheiro o levou pra França. Lá ele toca com os maiores nomes da musica internacional e é disputadíssimo. Imediatamente Carneiro começou a armar uma tournée minha pela Europa toda, acompanhada por ele, por Luiz de Aquino, ao violão, e por Pierre Baillot com sax e flauta. Mas, como desta vez minha viagem seria curta, em função das aulas nos netos, combinei fazer somente uma apresentação e, a partir de então, o manager marcará uma sequência de concertos por vários outros países como Bélgica, Holanda, Alemanha, Espanha, Portugal e, claro, novamente a França. O show será todo em homenagem a Tom Jobim, que faz 25 anos que partiu, e a quem já venho homenageando aqui no Brasil também. Já está sendo anunciado para dia 11 de março num prestigiado Jazz Club de Paris chamado Sunset-Sunside, levando o título de ANA DE HOLLANDA “Hommage à Jobim”. Estamos trabalhando pela internet, por enquanto, mas nestes dias o violonista Luiz de Aquino chega ao Rio e acabamos de ensaiar.
Solange Castro – Ana, agenda feliz, boa sorte…
Antes de ir, me diga: como você percebe a “Música Brasileira” no Brasil nesse momento?
Ana de Hollanda – Como sempre foi: existe muita música boa e muita porcaria. A diferença é que até há uns quarenta anos, ainda se escutava musica boa nas emissoras de rádio e TV. Depois que a lei do jabá tornou-se descarada, música boa mesmo, salvo em casos excepcionais, somente em emissoras de baixíssima audiência é possível se escutar. Existe também a internet, mas lá tem de tudo sem filtros, ou melhor, tem o filtro dos robôs que colocam em destaque produtos que pagam os impulsos. Então a gente tem que ficar buscando informações, seja em páginas da internet, seja em bons programas televisivos que ainda resistem, seja em bares ou teatros, aonde é possível escutar música de qualidade em qualquer estilo. Eu até mais ou menos sei, porque é o meio que frequento mas, para o grande público, esse acesso está difícil. A mídia também só dá destaque a quem conta com estrutura rica que pague um bom assessor de imprensa e garanta grandes espaço em jornais, além de anúncios pagos em todos os meios.
De qualquer forma vejo ótimos e talentosíssimos intérpretes, músicos, compositores que se dedicam, estudam pra se aprimorar e apresentam resultados que nada devem aos da geração que surgia nos anos 60, 70, e 80.
Solange Castro – Pois é, e com tanto talento brasileiro para a Música, claro que novos compositores, arranjadores e intérpretes estão por aí, sem que o público tenha acesso ou descubra onde está.
Mas o Toada está voltando ao ar, e faz parte da nossa missão mostrar o que há de melhor por esse Brasil musical tão rico.
Ana, gostaria de deixar algum recado? E, claro, sempre nos informe sobre sua turnê que está por vir, sobre novas obras, enfim, o Toada está aberto para talentos riquíssimos como o seu.
Ana de Hollanda – Solange, só quero me despedir desejando boa sorte ao TOADA, esse novo espaço virtual da música brasileira de qualidade. Agradeço por mim como cantora e compositora, mas também como consumidora de boa música.
Sucesso!
Foto: Paulo Miranda
Junho de 2020